O Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, confirmou, nesta terça-feira (31), o corte esperado de 0,50 ponto percentual (p.p.) na taxa básica de juros da economia brasileira (Selic). Com a manutenção do ciclo de cortes, iniciado em agosto do ano passado, o índice passa agora de 11,75% para 11,25% ao ano.
A decisão da entidade acontece no mesmo dia em que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), apontando que a média anual de desemprego de 2023 ficou em 7,8%, a menor em nove anos.
“Há uma relação entre a redução da Selic e a queda do desemprego. O aperto monetário implementado pelo Banco Central causou muitos prejuízos às famílias, às empresas e ao Estado, porque aumentou o custo dos créditos, aumentou o endividamento, reduziu o poder de compra da população e o lucro das empresas, além de prejudicar as contas do Estado”, explica o economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Gustavo Cavarzan, ao lembrar que a Selic chegou a ficar em 13,75% durante um ano, de agosto de 2022 a agosto de 2023.
“A taxa básica de juros é uma ferramenta que impacta no nível de emprego, positiva ou negativamente, e começou a ser reduzida após meses de intensa pressão nossa, do governo e da sociedade”, observou a presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT) e vice-presidenta da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Juvandia Moreira. Só em 2023, o governo federal gastou cerca de R$ 689 bilhões com os títulos da dívida pública, emitidos pelo Tesouro Nacional, isso porque é a Selic é o principal índice usado nessas negociações.
“Não tem como a Selic prosseguir nesses níveis. Como vamos implementar um projeto de reindustrialização no Brasil, investir na Saúde, em obras do PAC, como o Estado irá conseguir somar dinheiro para tantas áreas fundamentais, com os juros acima dos 10%?”, pondera Juvandia. “Os empresários deveriam ser os primeiros a engrossar os protestos contra os juros altos, mas eles seguem omissos”, avalia.
Em fevereiro de 2023, a Contraf-CUT encaminhou um ofício à direção do Banco Central, cobrando da entidade crescimento econômico no país e o combate ao desemprego. “Na época, destacamos no ofício que a Lei Complementar 179, de 24 de fevereiro de 2021, em seu § 1º do Art. 1º, que dita a garantia do pleno emprego entre as obrigações do Banco Central do Brasil”, pontua o secretário de Assuntos Socioeconômicos da Contraf-CUT, Walcir Previtale.
“A questão do emprego nunca foi o foco do BC e foi isso que nós exigimos da entidade de política monetária. As justificativas para definir a Selic, usadas em todos os relatórios que o Copom publica após cada reunião, se resumem ao controle da inflação, quando na verdade outros mecanismos e outros fatores são responsáveis pela inflação”, destaca Juvandia Moreira.
“O Copom tem espaço para acelerar o corte da taxa básica de juros. As previsões de inflação da própria entidade, para 2024, vem sendo revisadas para baixo”, completa o economista Gustavo Cavarzan.
Fed considera emprego nas decisões
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, avaliou na manhã desta quarta-feira que o início de cortes dos juros nos Estados Unidos, previsto para acontecer em maio ou junho, abrirá espaço para o BC acelerar o corte da Selic no Brasil, que poderá chegar em 9% antes de dezembro.
Esta quarta-feira também foi dia de decisão da taxa básica de juros naquele país. Desta vez, o Federal Reserve (Fed), banco central norte-americano, decidiu pela manutenção do índice, atualmente entre 5,25% e 5,5%. Mas indicou que um ciclo de redução deve começar ainda neste semestre para conter o cenário de recessão previsto para os próximos meses, dada a responsabilidade da entidade de cuidar tanto da estabilidade dos preços quanto do pleno emprego. Atualmente, o nível de desemprego nos Estados Unidos está em 5%.
“O aquecimento da economia, em 2023, que fez o PIB crescer 3%, muito acima das expectativas do mercado e do Banco Central, que era de apenas 0,9%, não resultou no aumento da inflação, que seguiu sob controle no Brasil”, observa Walcir Previlate, completando que outras ações são apontadas como responsáveis pela melhora do cenário econômico brasileiro, além da redução da Selic, como a reformulação dos programas Farmácia Popular e Bolsa Família, aumento real do salário-mínimo, reajuste da tabela do Imposto de Renda, Desenrola e retomada de investimento em infraestrutura, por meio do PAC.
Ele avalia ainda que a atuação dos movimentos sociais, incluindo o movimento sindical bancário, nas discussões da política monetária segue como fundamental para influenciar o cenário econômico.
“Vamos continuar atuando para tentar traduzir para a população temas que são complexos e apresentados nos meios de comunicação numa linguagem ainda muito técnica. Mostrar que a Selic muito elevada mexe na qualidade de vida e no bolso de todos nós, e assim pressionar aqueles que tomam decisões a portas fechadas, considerando apenas seus investimentos em detrimento do desenvolvimento de todo um país”, conclui.
Desde que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) anunciou no início deste mês de fevereiro, que a taxa básica de juros do país, a Selic, ficará em 13,75% ao ano, o maior patamar desde janeiro de 2017 no país e o maior do mundo, o presidente Lula (PT) tem criticado essa decisão dizendo que assim não é possível o país crescer.
O presidente Lula não está sozinho nas críticas ao presidente do BC Roberto Campos Neto, indicado por Jair Bolsonaro (PL) e que teve o seu nome aprovado pelo Congresso Nacional, após o banco ter se tornado independente do governo federal. As críticas vieram também da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) e de diversos economistas como André Lara Resende, um dos “pais” do Plano Real, e de Luiz Gonzaga Belluzzo, Luiz Carlos Bresser-Pereira e Leda Paulani, entre outros. Para eles, a taxa de juros trava o crescimento do país. Veja abaixo o que eles disseram sobre a Selic.
Outro crítico da decisão do Copom é o economista e professor da PUC de São Paulo, Ladislau Dowbor. Para ele, o presidente Lula tem toda razão em entender que a taxa de juros impede o crescimento do país e a geração de empregos.
A taxa de juros do Banco Central nada mais é do que apropriação indébita porque tira entre R$ 600 a R$ 700 bilhões ao ano de dinheiro público
“É dinheiro dos impostos do povo brasileiro utilizado para pagar títulos da dívida pública, impedindo que o governo federal invista em políticas públicas como aberturas de estradas, construção de escolas e moradias populares, entre outras. Você drena a capacidade do Estado de fazer políticas sociais e de infraestrutura”, acrescenta o economista.
Segundo Dowbor, a taxa Selic ficar neste patamar só interessa a um por cento da elite econômica do país que compra títulos do governo para investimentos (a arrecadação dos governos depende de impostos recolhidos e parte de títulos vendidos no mercado), e a cerca de 10% da classe média que têm aplicações financeiras, pois com a alta dos juros vale mais a pena deixar o dinheiro aplicado em algum título do governo do que abrir uma empresa e gerar empregos. São os chamados rentistas que vivem dos juros de suas aplicações.
Pelas contas do economista, o custo dos juros do BC ao governo federal daria para pagar dez vezes mais a 50 milhões de pessoas que dependem do Bolsa Família de R$ 600 e mais R$ 150 por cada criança de até seis anos de idade.
“O Bolsa Família custa ao ano cerca de R$ 65 bilhões, dez vezes menos do que o pagamento de juros. O comprometimento do PIB [Produto Interno Bruto] com o pagamento de juros é 6,5% enquanto o Bolsa Família compromete apenas 1,5%”, compara Dowbor.
Outro ponto abordado pelo economista é que não há justificativa técnica para se manter os juros em 13,75% pois não há excesso de demanda para que o consumo cause inflação. A inflação prevista pelo BC para 2023 é de 3,5% com variação de 1,5% para cima ou para baixo.
“A economia do Brasil parou de crescer em 2014 e o que fizeram no final de 2016 [ano do golpe contra Dilma] foi puxar a taxa de juros pra cima. A dívida pública cresceu 82% nos governos de Michel Temer (MDB) e Bolsonaro. Por isso é desnecessário manter esse patamar para combater a inflação, já que esses governos não investiram para que a economia crescesse.
Dowbor chama a atenção para os dados da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), que mostram que de janeiro de 2021 a janeiro de 2023, o Banco Central subiu os juros da Selic em 587,50%. Saiu de 2% para 13,75% ao ano. Neste mesmo período a taxa de juros média para pessoa física subiu de 92,59% para 123,96% ao ano. Confira aqui a tabela.
Os interesses do mercado financeiro
O professor da PUC explica que aliado à alta da Selic nos dois últimos governos, os juros cobrados pelos bancos privados que chegam a 410% no cartão de crédito ao ano, estrangularam a capacidade de compras das famílias (79% estão inadimplentes e 30% em bancarrota); e os investimentos de empresas. Isso é mais um componente que não justifica os juros de 13,75% praticados pelo BC.
“O empresário não tem crédito para investir e mesmo que tivesse ele evita, pois não tem quem compre o seu produto tal o grau de endividamento das famílias, impedindo a geração de empregos”, pondera.
Dowbor conta que em 2003 no primeiro mandato do governo Lula, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), de José Serra (PSDB-SP), foi aprovada e eliminou o artigo 192 da Constituição que permitia ao governo federal interferir nos juros praticados pelos bancos privados.
“Muitos congressistas têm dinheiro aplicado e para eles interessa a alta da Selic, o que inviabiliza o governo Lula de poder interferir nos juros cobrados pelos bancos privados”, diz.
Ele ressalta ainda que nos anos de 2012 e 2013, Dilma diminuiu os juros cobrados pela Caixa Econômica Federal (CEF) e Banco do Brasil (BB), o que fez parte da população migrar dos privados como Bradesco, Santander, Itaú e outros para os bancos públicos, atraindo a ira da elite econômica.
“Esse é o momento que começaram a articular o golpe que culminou em 2016. Hoje apenas cinco bancos detêm 85% do crédito do país. É um cartel que prática agiotagem”, diz.
Taxa ideal de juros
Segundo Ladislau Dowbor, a taxa de juros ideal seria a de 1% a 1,5% ao ano mais a inflação, média do que é cobrado pelos 38 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).
O economista cita como exemplos os juros cobrados para pessoa jurídica (empresas) em países europeus que ficam em torno de 2,5% a 4% ao ano. Na China os juros para pessoa física são de 4,6% ao ano com uma inflação de 2%. Já no Canadá o juro do cartão de crédito rotativo chega no máximo a 11% ao ano.
“ O Santander cobra na Espanha zero por cento de juros para quem pede empréstimos de até 5 mil euros a serem pagos em seis meses. Aqui no Brasil chega a 100% no mesmo período”, conta o economista.
As críticas de Dilma e economistas ao Banco Central
A ex-presidenta Dilma Rousseff disse que a atual taxa de juros, de 13,75% ao ano, o que significa uma taxa real de 8% acima da inflação, condena o Brasil a "uma depressão, um momento de perda de renda, de emprego".
“Quando o presidente Lula questiona as taxas de juros, ele está defendendo o futuro do seu governo. Então, portanto, nós temos de entender e defender o governo”, disse Dilma.
O economista André Lara Resende, um dos pais do Plano Real também criticou a taxa de juros básica. Segundo ele, o índice de 13,75% está profundamente errado.
“Faz sentido nesse contexto você ter uma taxa de juros que há dois anos nesse nível? Claramente não. Os objetivos do Banco Central, determinados na lei que deu autonomia ao Banco Central são o controle da inflação, a estabilidade do sistema financeira e a garantia do pleno emprego. Obviamente essa taxa de juros de 13,75%, é incompatível com esses objetivos. Ela está errada”, disse.
Os economistas Luiz Gonzaga Belluzzo, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Monica de Bolle, Luciano Coutinho, Nelson Marconi, Leda Paulani, Antonio Corrêa de Lacerda, Clélio Campolina, Paulo Nogueira Batista Jr. e Lena Lavinas são alguns dos nomes que participam de um movimento no qual defendem, por meio de um manifesto divulgado no último sábado (11), a “razoabilidade” da taxa básica de juros, a Selic. Publicado como abaixo-assinado na plataforma Change.org, o texto tinha mais de 2.800 assinaturas até o início da tarde desta segunda-feira (13).
No texto, os economistas dizem que “a eleição de outubro renovou as esperanças de que o Brasil possa reencontrar os caminhos para a estabilidade política e um lugar respeitável no mundo. O Brasil precisa de paz e de perspectivas. O mundo precisa da estabilidade do Brasil”. Os signatários afirmam que “a superação dos desafios brasileiros só pode ser alcançada com uma nova política econômica, promotora de crescimento e prosperidade compartilhada”.
Escrito por: Rosely Rocha | Editado por: Marize Muniz (Portal CUT Brasil)
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